Saiu de casa pra a faculdade como
fazia todos os dias. O mesmo clima quente, o mesmo ônibus lotado, nada era
diferente, nem mesmo a sensação de que nada naquela rotina fazia sentido ou o
levaria a algum lugar. A inquietude de sempre, buscando equilíbrio no fio da
navalha do que o mundo quer de você e o que você precisa querer dele.
O excesso de pensamentos
incomodava quase tanto quanto o abafado daquele dia meio nublado e úmido, Não
sabia se devia continuar a estudar ou se largava tudo. Se procurava um emprego
ou se prestava concurso. Se ficava conformado com a falta de um amor antigo ou
se buscava uma nova paixão. Em meio aos buracos da cidade que sacudiam o
ônibus, só tinha a certeza de que não sabia de nada. E riu de tão clichê que
isso era.
Ao encontrar com os colegas da
faculdade, sentiu certo alívio. Conversar sobre filmes, mulheres, música e
cerveja o distraia de si mesmo, ainda que por alguns instantes. Então ele viu.
Como nunca reparara antes?
****
Ela havia saído de casa cedo,
como sempre, não gostava de se atrasar. De sua casa à faculdade era cerca de
meia hora, coisa rápida se estamos falando de transporte público. Gostava muito
de ler, então sempre aproveitava o caminho para mergulhar em alguma historia,
assim evitava o risco de mergulhar na própria mente e se perder por lá. Naquele
dia não foi diferente, e o escolhido como companhia foi o bom e velho Fernando
Sabino. Fazendo da queda um passo de dança e transpirando muito naquele dia que
parecia querer ser dia de sol e dia de chuva ao mesmo tempo, ela chegou ao seu
destino.
Não é que não tivesse amigos. Ela
tinha, e muitos. É que ela gostava de ficar sozinha, só isso. Não era
antissocial nem nada, só não queria ser sugada daquele mundo construído tão
delicadamente para uma vida real vazia e sem sentido. E pensando no quanto isso
parecia clichê, riu-se e ficou ali sentada em uma mesa embaixo de uma árvore,
lendo a história de Eduardo enquanto a aula não começava.
***
Ela tinha o cabelo negro e
cacheado, que contrastava contra aquele céu cada vez mais esbranquiçado. Ali
sentada, parecia uma ninfa. Ele não sabia o porque de tamanho arrebatamento,
mas aquela menina ali, sentada, atraiu seu olhar de uma forma que o deixava
desconfortável e incrivelmente à vontade ao mesmo tempo. Tão distraída, o resto
sereno e uma gota de tristeza no olhar que o seduzia profundamente.
A vontade que ele tinha era de
por uma flor no cabelo dela, escrever poemas, quem sabe até uma canção.
Sentia-se como um poeta perdido. Fora tirado daquele torpor por seu amigo a
bater-lhe nas costas e avisar que já era hora. Ao olhar de novo, ela já estava
levantando e indo embora. Mas, para onde?
***
Nem sentiu o tempo passar. Quando
deu por si, estava todo mundo indo para suas salas. Olhou de relance ao redor,
muita gente rindo, conversando alto. Achou estúpido um cara chamar o amigo
dando-lhe um tapa. Sentiu certa pena até, parecia que ele voltava de alguma
viagem. Comoveu-se com a expressão assustada e sem graça dele e depois sorriu.
Pegou seus livros e foi para a sala.
***
Peço licença...
Isso de assistir aula parece
coisa de seriado gringo adolescente não importa a história. O tempo parece não
passar enquanto você pensa num universo de coisas e tem certeza de que há muito
para se fazer lá fora. Com os dois parecia não ser muito diferente. Ele pensava
nela, claro. Em como parecia perfeita a tristeza em seu olhar. Se ela seria
simpática ou se teria o espírito meio amargo como o dele. E se perdia pensando
em tanto pensar. “vento frio agora. Só me falta chover!”.
Já ela se perdia entre livros,
aulas e uma vontade inexplicável de chorar. “Tomara que chova mais tarde”.
***
E como tudo acaba, não só o que é
bom, mas o que é ruim também, aquela manhã acabara mais cinzenta e nublada. Era
hora de ir embora.
Ele olhava para todos os lados à
procura dela, parecia até meio paranoico, mas onde ela estava? Vasculhou por um
bom pedaço de tempo em busca, até que vira seu ônibus passar ao longe, havia
perdido. Para piorar, o sereno começava a cair fino e frio em seu rosto.
Parecia que era tarde. Melhor ir esperar o próximo ônibus e ir para casa com
aquela visão na cabeça.
A chuva agora caia mais forte e
não havia nenhum abrigo por perto. Então, o inesperado aconteceu. Uma voz doce
perguntava “quer carona?”. Era ela, ainda mais linda sob aquele guarda-chuva estampado.
Lembrara-se dele e sentiu uma confiança inexplicável para chegar perto e
oferecer-lhe espaço.
Ele só balançou a cabeça
afirmativamente e sem trocar palavra, colocou a mão em volta da cintura dela e
foram caminhando até a parada. Ele não sabia porque tinha feito aquilo e ela,
por que não impedira. Simplesmente parecia algo tão natural que os dois se
deixaram levar.
Durante os minutos seguintes, era
como se tudo se encaixasse. Calados ficaram, mas quando acontece do mundo fazer
sentido, quem precisa de palavras? Perderam-se num misto de vergonha e
completude até que as buzinas os trouxeram de volta à realidade. Ele precisava
ir. Então ele estava atônito por nada ter dito ou perguntado. A paz
transformou-se em angústia quando ela falou “seu ônibus chegou!”. Travado, ele
sorriu e subiu na condução. Sem olhar para trás, ele foi se maldizendo o
caminho todo, triste e raivoso pela promessa perdida.
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