.: Monólogo:.

- E é assim, em dias como hoje, que eu gosto de vir aqui, só pra ver o mar, conversar... Esse silêncio, fora das gritantes buzinas e sirenes dentro da cidade que matam e sufocam o nossa própria voz, me acalma...

- Aqui é mesmo muito bonito. Mas não sei bem por que me trouxe até a margem. Não podíamos ter ficado na casa ali em cima? Teríamos a mesma visão, sem tanta areia.

- Não teria nem metade da graça e do sentido. E parece que você gostou da casa nova... Lembra-me de te mostrar a louça rosada do banheiro. Ainda me recordo que você gosta das louças rosadas e brancas. Delicadas. Apenas perdoe-me a mancha de sangue ao lado esquerdo da pia. Acidentes ainda acontecem, e a cada dia controlo menos.

- Tudo bem, eu entendo. Aliás, eu fico muito feliz pela lembrança em algo tão aparentemente bobo como a cor da louça. E em todo caso, vai ser sempre uma lembrança. Dolorida, mas uma lembrança sua. E lembranças suas nunca serão demais. Eu entendo...

- Você sempre entende tudo, não é? Eu no auge da minha ignorância, busco compreender apenas por que o mar está sempre indo e vindo. E por que as pessoas apenas vão, e não voltam mais.

- Mas eu estou aqui e não irei a lugar algum!

- Mas eu irei. Não sei quando, mas em breve sei que irei. E não voltarei pra você. Não mais trarei aquele cheiro de café com torradas e geléia de amora pela manhã cedo. Você já acordou pra isso? Não mais o som do bolero invadirá teus ouvidos aos domingos de manhã, e nem o cheiro do mofo dos meus discos e fitas... Nem o odor permanente dos meus muitos livros recém comprados, que você sempre disse que leria, e nunca abriu nenhum...

- É mesmo, desculpe... Mas tem um...

- Não precisa dizer nada. Nem se desculpar. Há coisas mais importantes neste mundo. Quando você não sabe o que fazer, você tem a liberdade de escolher o caminho a seguir. Mas quando você sabe exatamente onde vai dar o fim da estrada e onde muro vermelho, cheio de musgo e lodo, vai lhe estancar o caminho, você não tem opções a não ser contar o tempo até a pancada. O trem não vai parar. Só resta reunir as coisinhas e bebê-las num gole só; despedir-se do sofá velho de xadrez cheirando a charuto, segurar uma repleta xícara de café e esperar... Amanhã quem sabe, talvez semana que vem, ou ao fim do Outono, mas uma hora a hora chega....

- Chega... E chega de falar assim que me põe lágrimas nos olhos... Se tudo o que sobe, desce; se aquilo que entra, de alguma forma sai, também deveria ser verdade que tudo o que nos vai, a nós volta. Mas calma, não me expliques nada. É certo que a vida, para ser vida, tem de ter seu grau de injustiça e ininteligível mistério. Apenas me deixe pensar que não vais por muito tempo. Que logo adiante te encontrarei sentado em cima desse muro, que nem o Humpty Dumpty!

- Ao menos você leu o Livro da Alice!

- Sim, eu li. E acredito um dia também te alcançar nesse teu Mundo das Maravilhas, onde queres tanto chegar, onde já não tens escolha de voltar. E observar teu céu, e tuas estrelas, e sentar em frente àquele teu mar, que de nada deve se assemelhar com este...

- E não se assemelha mesmo!...

- E lá seremos felizes! Agora estás tão ofegante. vamos, pega esse meu casaco, apenas repire. vamos entrar, o sol já se pôs. Vamos, dete-se no seu sofá xadrez enquanto te preparo uma xícara de café pra esfriar esse seu corpo. Nossa, como está gelado. Não me soltes, venha... A louça rosada nos espera...
E se é verdade que o tempo não volta,
também deveria ser verdade que os amigos não se perdem...


- Caio F. Abreu -

.:When You Lost... :.


É algo com o qual ainda é difícil lidar.
Seja quando sopra o vento e me vem o cheiro daquelas plantas recém cortadas, quando o aroma do café do apartamento vizinho invade a minha sala de estar ou quando o mofo que agora reina em teu armário me vem de forma incessante preencher as narinas... E então eu me recordo...
Recordo de ter estado ao teu lado sempre, até o último segundo. Recordo de tua cara de espanto, medo, alívio e nobreza quando sentiu que estava realmente acabando. E somente eu estava ali, a te afagar os cabelos enquanto teus lábios arroxeavam-se e teus jovens, muito jovens dedos enrugavam-se...
Sim, eu também tremia, mas não era de frio. Pelo contrário, naquele instante senti-me tomado por uma incalculável febre, uma angústia quase desesperada de gritar "Me espera! segura um pouco mais o elevador, não sobe sem mim não! Espera até que eu pegue mais algumas flores, mais algumas frutas... O céu está nublado, mas essas lasquinhas de sol escapando por entre a neblina é tão bonito... Dá até uma quase vontade de sorrir... Fica um pouco mais! Ainda nem te mostrei minha casa nova, o jardim dentro da varanda, espera um pouco mais! Me dá tua mão pra eu não me sentir só; eu sou grande, mas eu tenho tanto medo. Espera até eu compreender a indefinível dança dos girassóis da minha janela. Ajuda-me a contar as riscas xadrez de tua camisa..."
Mas você somente sorria... E sorrindo te vi entrar, e a porta se fechou. E teus olhos pálidos perderam de vez o brilho no qual tantas me espelhei para arrumar meus cachos que teimavam em me cair pela testa. E fortemente abracei tua sombra. Era como se ela se descosturasse de ti, e eu, little Wendy, não a devolvesse, para não te deixar voar... Egoísticamente a queria presa mim, para que eu, e somente eu, pudesse voar por teus passos por entre os campos, ou embaixo da cachoeira. Mas eu não passava de um garoto perdido.
Nunca havia me sentido tão infantil. Me sentia feito criança conversando contigo, sentado junto ao fogo, ouvindo tuas histórias, mas naquele intante em que a porta se fechou na minha frente e você se foi numa cama metálica, senti minha infantilidade crescer com o calor que me ardia o peito. Feito bolo que cresce no forno. No momento em que aquelas duas portas fizeram o "crash" final, todo o calor de nossos corpos se concentrou em meu pequeno peito. Pois não havia caixa de metal ou cama fria de hospital que roubasse você de mim.
E como sempre, movido pela pressa da cidade grande, você não pôde me esperar. Não pôde segurar o elevador ao fim do corredor amarelado. E eu fiquei ali, sentado naquela cadeira plástica, olhando apenas o vazio que restara naquele espaço sem graça. E minhas parcas flores murchas em minhas mãos remontam a tudo o que não conseguimos ser. Pois o último Pôr do Sol eu assisti só, e nessa noite até a Lua Nova se condoeu por não ter te ajudado a segurar aquela porta, e me enviou uma estrela com teu sorriso, que trago sempre aqui comigo, tatuado em minha alma tão marcada de lembranças...

.: Imitação da Escrita:.

Tanta vida, tanta coisa, tanto mundo de coisas vivas para serem vividas...
E a gente ali sentado, violão no colo, olhando as crianças, na praça verde, numa tarde de um dia qualquer. E bate aquela descrença na vida, a descrença em tudo, como se fosse tudo vão.
O sol se põe, e o vento em teu cabelo é a coisa mais linda, Deus!, como gosto de olhar você enquanto bate o vento. E teus olhos sempre tristes e melancólicos que arrastam pra dentro como quem diz "de que me adianta?", hipnotizam. E eu com meus olhos tentadores de otimismo, busco em vão transmitir algo aos seus.
Por que a vida sempre nos parece injusta, e eu pouco sei do que fazer dela, mas tocando ali, à tardinha, sempre parece que fica tudo maior. E observar as pessoas, com suas vidas, suas coisinhas reunidas, cada uma em seu grupinho, distante, como se não fôssemos todos a mesma coisa na massa disforme do universo, isso meio que angustia... Por que todo dia nos encontramos, todo dia nos desencontramos, e isso não é para ser o natural da história, e agora sinto que neste exato instante eu só quero estar onde encontrei. Exatamente aqui.
Sinto também que você parece ter algum peso difícil de carregar. E eu queria, ai como eu queria, conseguir te ajudar a carregar este peso. Nem precisava ser meio a meio não, um terço talvez... Ou um quarto, que seria mais sugestivo, mas eu queria dividir. Queria ajudar. Estar presente de uma forma indecifrável, indefinível, constante. Não como uma dor de dente latejante, mas como uma esperança, um sopro no coração, que a gente sabe que está ali. Que anima. Não quero, não, de forma alguma, te deixar ir e levar tudo isso assim só, como se não me importasse. Por que eu me importo. Me importo como o principezinho se importava em proteger sua rosa. Por que era única. Me importo como um ativista do Greenpeace, que luta pelo planeta Terra, embora pareça um idiota. Por que o Planeta Terra é único. E você também é.
Bom seria se as tristezas se pusessem com o sol...

...: :...


Eu queria ter um amigo
Bem aqui, de ligar no fim da tarde
E sorrir. Não um amor, um
Amigo. De ligar de madrugada
E silenciosamente chorar. Eu queria
pra entender o tudo e o nada, e o
princípio, meio e fim. Que gostasse de
bichinhos. Que ficasse pertinho
de mim...
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