Amores são sempre possíveis?

12. Somente Nela - www.CdsParaBaixar.Org by Paulinho Moska | www.CdsParaBaixar.Org on Grooveshark
II - Conjunto Ceará/Aldeota

Era um dia daqueles, sabe? Congestionamento danado na rua, hora do rush de final da tarde, parecia que tinha muita gente em todo canto. E eu perdido no meio daquilo tudo. Ela estava sentada no ponto de ônibus, lendo. Vi pela capa que era um autor que eu nunca tinha ouvido falar. Mas ela era tão bonita... Que fui lá perguntar pra ela.
***
- Com licença... O Conjunto Ceará/Aldeota para aqui?
- Sim, passa... Passou um agora mesmo.
- Ah sério?!? Obrigado...
- Por nada.
- Caio Fernando Abreu?
- Sim. O ovo apunhalado. Conhece?
- Claro! Gosto muito dele. Os livros dele são tão... como poderia dizer...
- Densos? Me diz, qual seu preferido?
- Esse aí que você está lendo.
- Qual o texto?
- Ah, aquele que ele fala de... Você sabe, aquele super conhecido... Ok, admito, nunca tinha ouvido falar desse cara antes...
- Imaginei... É um bom autor se você gosta de pensar na vida.
- E o que você pensa tanto sobre a vida?
- Que sempre nos fazemos muitas perguntas, e quando mais respondemos, mais perguntas surgem.
- Isso foi uma indireta?
- Ah não, desculpe, é que...
***
Ele chegou assim do nada, falando comigo, e foi logo me enchendo de pergunta, sabe? Todo intelectual, mas estava na cara que ele nem sabia quem era Caio Fernando Abreu na vida! Mas confesso que achei interessante, diferente o jeito dele de falar. Ele prestava uma atenção tão grande em cada palavra que eu dizia, me olhava tão profundamente nos olhos que parecia que eu já conhecia ele a minha vida inteira.
***
Destino, amor à primeira vista, química, chame do que quiser! Eu só sei que torcia, a cada ônibus que vinha, para que não fosse o meu e nem o dela. Eu queria saber tudo o que pudesse do que se passava na cabeça dela, coitada, deve ter ficado tonta com tanta pergunta que eu fiz. Eu poderia ficar ali a noite inteira conversando com ela, falando da vida, da morte, do que quer que fosse. Era como um sonho...
***
- Tudo bem. Você escreve?
- Eu? Eu tento... Mas e você, gosta do que? Faz o quê? Lê o quê?
- Eu gosto de inventar vidas. Gosto de observar as pessoas e contar histórias reais, irreais, sonhos...
- Você é escritor?
- Não... Não... Eu só tento me salvar em vidas que só podem ser realizadas quando escritas.
- Bonito isso, mas, se salvar de que?
- Da vida...
***
Quanto mais ele falava, mais eu me perdia em cada palavra que ele dizia. Astrologia, poesia, música, culinária, filosofia, celebridades, literatura, história da arte, falamos sobre tantas coisas aquela noite. Tudo o que ele falava soava tão marcante, tão poético! Parecia que eu estava em transe, hipnotizada, não sei. Só sei que eu não queria que aquela conversa acabasse nunca. Mas infelizmente, meu ônibus surgiu ao longe.
***
- Você vem nesse ponto todo dia?
- Não... E você?
- Também não... E bem, parece que é meu ônibus vindo ali.
- Mas já? Eu ainda nem sei o seu nome!
- É Alice.
- Muito prazer, Luís.
...
- Boa noite. Foi muito bom conversar com você.
...
***
Juro que não sei o que eu esperava que fosse acontecer nos segundos antes de subir. Um torpor tomou conta de mim, queria que ele me beijasse, queria que ele segurasse minha mão, não me deixasse subir. Queria que ele tivesse subido junto. Tivesse pedido meu telefone, e-mail, qualquer coisa. Não sei o que queria. Eu já ia subindo no ônibus quando tudo o que consegui foi virar para trás e gritar "Leia 'Para uma avenca partindo!'". E a porta se fechou atrás de mim. Depois que o ônibus partiu, e passei pela roleta, ainda olhei para trás e o vi acenando para o Conjunto Ceará/Aldeota. E tudo o que me sobrou foi a lembrança.
***
Lembro de cada palavra da nossa conversa. Eu nunca tinha lido o tal caio Fernando Abreu, e vou agradecer eternamente a ela. "Para uma avenca partindo" é perfeito. Parecia que ela já me conhecia. No instante em que a porta fechou atrás dela, senti que ia me arrepender o resto da vida por tê-la deixado subir naquele ônibus. E me arrependo ainda hoje. Por que não pedi o telefone dela? O e-mail? Qualquer coisa! Fui várias outras vezes naquele ponto, no mesmo horário, mas nunca mais a vi. Paixão fulminante? Amor? A definição não interessa mais. Só a memória daquela noite...

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